Lineu Neiva Rodrigues
Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indicam que, para atender ao crescimento populacional e às novas demandas por alimentos, a produção mundial de cereais terá que aumentar cerca de 1 bilhão de toneladas até o ano 2030. Esse aumento previsto dependerá prioritariamente da disponibilidade hídrica para suprir as demandas de irrigação, que será responsável por atender cerca de 80% da produção adicional prevista.
Em um cenário onde o clima é cada vez mais incerto, a produção de alimentos em agricultura de sequeiro, se torna mais vulnerável. Nesse contexto, a irrigação destaca-se como uma das principais tecnologias para trazer sustentabilidade e estabilidade à produção de alimentos. O desafio é equilibrar o crescimento da agricultura irrigada com a oferta hídrica, principalmente em bacias hidrográficas onde a disponibilidade hídrica já é baixa.
Com estimativa de cerca de 9 milhões de hectares irrigados, o Brasil é um dos poucos países do mundo, se não o único, com capacidade de triplicar essa área com sustentabilidade, trazendo contribuições efetivas para o meio ambiente, para o desenvolvimento social e econômico do País, com geração de empregos estáveis e duradouros.
Alguns fatores inerentes à agricultura moderna, no entanto, contribuem para intensificar e ampliar as dificuldades associadas aos desafios de aumentar a produção de alimentos para o patamar necessário. Dentre esses fatores, destacam-se os seguintes: a redução da disponibilidade de terras aráveis; as assimetrias no crescimento populacional, na produção de alimentos e na oferta hídrica; a multifuncionalidade da agricultura; e as mudanças climáticas.
Não se pode pensar em segurança alimentar dissociada da segurança hídrica, pois para produzir alimento uma quantidade significativa de água deve ser mobilizada. É importante destacar, entretanto, que apenas uma parte da água utilizada na produção de alimentos é constituída de água azul – água retirada dos rios. Um complicador para a agricultura irrigada é que a demanda por água azul varia muito de ano para ano. Isso se dá em razão da grande variabilidade da chuva e também do momento em que ela ocorre.
O crescimento da irrigação não pode mais ser fundamentado apenas no aumento do uso de recursos hídricos. O crescimento desejado e possível é cada vez mais dependente dos ganhos de eficiência nos sistemas já existentes. Um dos desafios da agricultura irrigada é a promoção do irrigar com qualidade. Isto quer dizer que deve ser buscado continuamente uma elevada eficiência e produtividade de uso das águas.
Sem dúvida alguma, um dos caminhos para reduzir os conflitos pelo uso da água em bacias hidrográficas com predominância da agricultura irrigada é por meio do uso racional da água e do aumento da eficiência de irrigação. Entretanto, a falta de consenso na definição e na aplicação de critério para avaliar a qualidade da irrigação nas diferentes situações, a não consideração da escala do problema e a falta de uma análise mais abrangente têm dificultado a comparação do desempenho dos sistemas de irrigação nas diferentes regiões e o estabelecimento de metas mais qualificadas e realistas para a melhoria da eficiência irrigação na escala da bacia hidrográfica.
Passados mais de 20 anos desde a promulgação da Lei 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), ainda persiste o desafio de garantir que os recursos hídricos sejam utilizados de forma sustentável. A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se no fundamento de que a água é um bem de domínio público e é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico. O que não tem “dono” geralmente é mal usado. A cobrança pelo uso de recursos hídricos não tem produzido os efeitos desejados para melhorar o uso da água. É importante que o usuário tenha um sentimento de propriedade sobre o recurso, pois quando se trata de algo que lhe pertence, a tendência é de haver um maior cuidado e um melhor uso.
A outorga de direito de uso de recursos hídricos é outro instrumento da PNRH. A outorga é fundamental para o irrigante, pois traz segurança hídrica e reduz os conflitos. Por outro lado, os prazos extremamente longos para a emissão das outorgas têm colocado muitos irrigantes em situação de ilegalidade.
A sustentabilidade na produção de alimentos será alcançada com a irrigação, cujo desenvolvimento depende de uma gestão mais efetiva dos recursos hídricos. Água e energia são insumos básicos da agricultura irrigada. Para que seu crescimento seja sustentável, é fundamental considerar as desigualdades hídricas regionais e ter um olhar diferenciado para as bacias hidrográficas críticas, onde a disponibilidade hídrica já está comprometida, assim como onde já é realidade a ocorrência de conflitos pelo uso da água.
As pesquisas em recursos hídricos devem incorporar uma visão sistêmica do sistema hídrico, onde o curso d´água, em sua qualidade e quantidade, é reflexo das atividades que ocorrem na bacia como um todo. O desafio está em desenvolver conhecimentos que direcionem soluções, que, por sua vez, visem, principalmente, compatibilizar produção de alimento, fibras e energia ao uso múltiplo e sustentável de recursos hídricos.