Com a frase acima o ex-ministro Alysson Paolinelli, o brasileiro que merece o nosso Nobel da Paz encerrava um de seus pronunciamentos perante um auditório lotado na cidade de Santa Cruz de La Sierra, Bolívia, com líderes latino-americanos e de África. “A agricultura de clima temperado sustentou o mundo até hoje, daqui para a frente o cinturão tropical do planeta terra assumirá esse protagonismo “. Celso Moretti, presidente da Embrapa da mesma forma registra as quatro disruptivas mudanças no agro doravante:
1- Biorevolução, segurança genética.
2- Digitalização.
3- Mudanças climáticas.
4- Sustentabilidade.
Em meio a estas constatações de ordem científica, de gestão, e da necessidade de coordenação de cadeias produtivas surgem as incertezas. Daniel Kahneman, Nobel da Economia 2002 afirmou que “o acaso e as incertezas estão muito mais presentes na economia do que acreditamos estar, e que tem muito a ver com sorte “.
Com certeza não deixamos de produzir alimentos, apesar de uma provável redução de cerca de 16 milhões de toneladas na oferta mundial de grãos em 2022, atingiremos 2,8 bilhões de toneladas. O Brasil atingiu 271 milhões de t de grãos e as previsões da Conab para a safra 2022/23 prometem superar 310 milhões, com milho e soja sendo o grande destaque.
Porém precisamos incluir nas nossas análises da insegurança alimentar, um aspecto já antigo, alvo dos estudos e de um Nobel de Economia, indiano, Dr. Amartya Sen, com seu livro “Pobreza e fomes “onde concluía que a fome estava presente mesmo em países sem problemas de abastecimento, se tratava da necessidade de políticas públicas. Em paralelo a este aspecto podemos acrescentar outro sobre o desperdício, com cerca de 1/3 da comida produzida não sendo consumida. Estes dois assuntos anteriores já estão nas mesas das lideranças há muitos anos e a própria ONU em 2001 assinava com todos os líderes do planeta as “metas do milênio “para reduzir a fome no mundo em 50%.
Porém dois fatores que não são novos, mas que poderíamos dizer inesperados neste século XXI surgiram. O primeiro uma pandemia que provoca paralizações nas estruturas do “suply chain“, corona vírus, na mobilidade humana, mortes, e na dinâmica do comércio; reunida a efeitos climáticos em paralelo. Secas no hemisfério norte, e no Brasil, deixamos de colher nas safras 2020/21 e 2021/22 quase 40 milhões de toneladas, sem o que já teríamos atingido os tão desejados 300 milhões de toneladas de grãos, bem como afetou também pastos e a cana de açúcar. E o segundo aspecto uma guerra inimaginável em plena Europa, criando um cenário geopolítico de confrontos e conflitos, onde a Ucrânia nos últimos 90 dias teve o seu PIB produto interno bruto reduzido em 30%. Portanto vamos somar uma “Agriwar“ com mudança climática & pandemia. Preços dos alimentos explodiram, preços dos insumos da mesma forma e a insegurança alimentar cresceu a ponto de analistas anunciarem que “a maior crise alimentar do século XXI estar às portas “(Prof. José Baccarin – UNESP, ex-secretário de segurança alimentar governo federal).
O setor de rações animais, tem a IFIF – em Bruxelas, International Feed Industry Federation, onde o brasileiro Roberto Bettancourt do Siderações atua no corpo de seus dirigentes com o objetivo de: “reunir a uma só voz e única liderança o setor da ração animal mundial, por se tratar de um complexo vital para a segurança alimentar humana “. E um dos aspectos mais singulares e essenciais é a previsibilidade e a oferta de grãos para a ração cujo consumo planetário está na casa de 1,5 bilhão de toneladas. Ao conversar com Bettancourt e Roberto Rodrigues (Cosag – Conselho Superior do Agronegócio – Fiesp) fizemos uma provocação, se não estaria na hora de termos uma reunião e uma só voz, da mesma forma, sobre a questão dos alimentos humanos como já ocorre no campo da nutrição animal? A governança.
Rússia e Ucrânia representam 30% da oferta mundial de milho e trigo e mais da metade do óleo de girassol. De 2016 a 2021 90% das exportações foram destinadas a Ásia e África. E neste exato momento as tensões voltam a recrudescer com um caminhão bomba explodindo na “ponte de Putin “ligando a Rússia a Crimeia, que pode prejudicar os corredores solidários de saída de alimentos e de fertilizantes pelo Mar Negro. Ameaças de uso de armas atômicas são utilizadas, porém analistas registram que os efeitos seriam da mesma forma nocivos a quem as usasse, pois as distâncias territoriais deste conflito são próximas.
Mas então, perante este cenário onde somamos os níveis de incertezas climáticas, geopolíticas, Agriwar – alimentos como armas, desconfiança nas relações do suply chain, meio ambiente com o parlamento europeu endurecendo o jogo ambiental. Em contrapartida os Estados Unidos estimulando uma safrinha, a Europa reclamando contra os rigores ambientais considerados exagerados proibindo inclusive uma convivência inteligente de produção agrícola com florestas preservadas; voltamos então ao título deste nosso artigo: “o futuro ao agro tropical pertence “.
As vantagens brasileiras neste momento de crise são excepcionais. Se tivermos juízo e governança do complexo do agribusiness brasileiro, temos oportunidades gigantescas no mundo e no mercado interno para todas as cadeias produtivas, do A do amendoim ao Z do zebu. O agribusiness mundial movimenta em torno de US$ 25 trilhões na soma dos elos do antes, dentro e pós porteira das fazendas. Os Estados Unidos sozinho significam cerca de US$ 4,5 trilhões. No Brasil ao integrarmos as cadeias produtivas chegamos a algo como US$ 500 bilhões. O que isto nos revela? Imensas oportunidades de aumento no share do país no mundo. Somos menos de 2%. Se objetivarmos um movimento na ordem de US$ 1,2 trilhão, atingiríamos 5% do planeta. E isso é possível pois temos ciência, tecnologia, recursos humanos, educação nas melhores universidades, empreendedorismo e ótimas cooperativas que aprenderam a agregar valor. Temos pastos degradados para plantar sem tirar uma só árvore.
Um planejamento estratégico do agro nacional dando ao mundo o que ele deseja, entregando aos consumidores o que anseiam de alimentos, fibras, e energia e saúde para viver na terra não seria nada novo para o Brasil. Temos a melhor agricultura regenerativa do mundo, o plano ABC+. Temos conhecimentos a disposição desde buscar negócios em convívio sustentável com as florestas de todos os biomas, até a ciência onde a semente significa o chip do agricultor. Dominamos os bioinsumos, a mecanização, e temos campeões olímpicos mundiais em produtividade agropecuária, produtoras e produtores, famílias agrícolas. Para isso não podemos politizar nossas relações com nenhum cliente internacional, e agir sob a lei do poeta Camões: “quem faz o comércio não faz a guerra “. Vamos vender e diversificar mercados e itens.
Vamos dobrar de tamanho nesta década. Dobrar em moeda. Dobrar na tonelagem, em todos os grãos, nos de inverno e nos de verão. Vamos chegar em 20 milhões de toneladas no trigo. Seremos autossuficientes e vamos exportar. E por que não, o dobro do feijão?
E aqui do Brasil, onde aprendemos a dominar a produção sustentável no cinturão tropical da terra iremos de a mesma forma apoiar e enviar conhecimentos científicos, técnicos e de manejo para todos os países dessa parte do globo, pois daqui sairá o futuro que 10 bilhões de habitantes iremos alimentar.
Bioenergia, com biogás natural e renovável, gerando biometano, será ao lado dos biocombustíveis brasileiros de um crescente renovabio, o modelo deste país, Brasil. Sem dúvida o país da paz, do alimento, para onde todos os povos vieram um dia como imigrantes, e para onde hoje podemos significar segurança da vida na terra. Brasil é potência agroalimentar, ambiental e energética; o único país do mundo que tem nome de árvore.
Não podemos ser pessimistas, quem teme perder já está vencido. Não devemos ser otimistas, a euforia dos tolos. Precisamos ser como registrou o escritor ariano Suassuna, da Paraíba: “sou um realista esperançoso “.
Esse é o Brasil que estamos criando.
José Luiz Tejon Megido – Doutor em Educação, Jornalista, Publicitário, Professor e autor.